De um lado, um grupo de ambientalistas e pesquisadores que defende a preservação integral da primeira Área de Proteção Ambiental do Rio: a restinga de Maricá. De outro, um grupo espanhol que pretende erguer um empreendimento de R$ 2,5 bilhões. Entre os dois, um plano de manejo que permite a ocupação urbana, com infraestrutura e prédios na área.
Com brejos e vegetação preservada, mais de 400 tipos de plantas e pelo menos 15 espécies de animais únicos no mundo, a região entre a Lagoa de Maricá e o mar é uma das mais estudadas do Brasil. Há sambaquis da Idade da Pedra Lascada, vestígios de cerâmica e um povoado de pescadores que ocupa o local desde 1797. A pressão imobiliária na área não é novidade para a comunidade, que luta para preservar o espaço desde a década de 30. Na época, uma associação pesqueira foi fundada com este fim:
— Esta é só a ameaça mais nova, mas a minha vida toda foi com medo de ser expulso. Quando eu tinha 15 anos, a casa da minha mãe foi demolida e ficamos na rua — lembra o pescador Luiz Carlos Marins, de 57 anos.
[caption id="attachment_78593" align="alignleft" width="300"]Isso aconteceu em 1968. As tentativas de urbanizar a região se intensificaram na década seguinte, e Lucio Costa foi contratado para fazer um projeto para a região — assim como fez na Barra. Em 2007, o plano de manejo da APA foi aprovado, contrariando ambientalistas.
— Nós conseguimos uma liminar que protegeria a área até que o plano fosse revisto. Questionamos a legalidade dele, já que desrespeita outras leis — argumenta Denise Árias Mendes, advogada da Associação de Preservação Ambiental das Lagunas de Maricá: — O plano está permitindo que se construa em áreas que são protegidas pela Constituição do estado.
A liminar perdeu validade em julho. Mas um grupo de desembargadores do TJ deve decidir, hoje, pela revalidação ou não dela.
Empresa do grupo espanhol, a IDB Brasil, dona da área, diz que o projeto do conjunto arquitetônico vai garantir a proteção da área. Além disso, promete investimentos na pesquisa da biodiversidade local.
— Vamos recuperar a vegetação e criar uma área de preservação particular. No fim, usaremos 16% do espaço, menos do que o plano de manejo permite. Nosso maior ativo é a biodiversidade — diz David Galipienzo, diretor da IDB: — Não há dunas como os ambientalistas defendem, mas montes de areia.
‘Quero ver a especulação perder essa guerra’ Vilson Correa, pescador artesanal, de 55 anos
Quando esse grupo internacional comprou a área, fez uma cerca de tela com arame farpado isolando a praia e a restinga. Ficamos sem poder pescar, sem ter acesso ao nosso meio de vida. A gente usa a vegetação da restinga para fazer artesanato, coletar ervas medicinais, recolhemos frutas para vender. É assim desde que me lembro, desde o tempo dos meus avós. Cada vez que vou ao Rio tentar resolver esse problema, um pedaço de mim fica lá, com a esperança de ver a especulação perder essa guerra.
Entre as casas e o mar, um campo de golfe
[caption id="attachment_78594" align="alignleft" width="300"]Outra polêmica diz respeito à sobreposição das áreas ocupadas pelos pescadores e o empreendimento. Entre as casas e o mar, haveria um campo de golfe.
— Não adianta ficar aqui confinado, sem ter como ir para o mar, sem ter as plantas medicinais... — lamenta Vilson Correa.
A IDB garante que o acesso ao mar e à reserva particular continuará para todos. A empresa diz que o projeto foi modificado várias vezes para garantir o menor impacto possível ao meio ambiente. Faz parte do projeto um centro científico para pesquisa.
Mais recentemente, o Ministério Público entrou na briga, do lado dos ambientalistas, questionando o projeto . O órgão vê problemas na elaboração do plano de manejo da APA e emitiu uma recomendação para o Inea avaliando como inviável a concessão da licença.
O empreendimento, no entanto, recebeu a licença prévia da Secretaria estadual do Ambiente, no dia 21 de maio.
— O Inea e a secretaria são os únicos que podem dar permissão. A aprovação demorou cinco anos. O MP não tem esse poder, e precisa de mais informações para dar um parecer. Nossos estudos são completos — diz David, especialista em meio ambiente.
O MP concluiu que “o decreto do Plano de Manejo de Maricá é um instrumento de destruição da restinga”. Já o Inea não comentou o questionamento ao plano que elaborou. Disse que o empreendimento deverá obedecer todos os requisitos e frisou que o projeto preserva 52% da área. O órgão ressaltou que, para a obra, é preciso ter uma licença de instalação, ainda não solicitada.
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