18/11/2015 às 13h11min - Atualizada em 18/11/2015 às 13h11min

TJ-RJ impede exposição de animais a maus tratos na festa do Peão de Boiadeiro Maricá

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Arena está sendo montada na barreira do Bosque Fundo, em Inoã

Arena está sendo montada na barreira do Bosque Fundo, em Inoã

Arena está sendo montada na barreira do Bosque Fundo, em Inoã[/caption]

LEI SECA MARICÁ :: ROMÁRIO BARROS- Uma ação popular impetrada por quatro ativistas da causa animal contra o rodeio e vaquejada na festa Peão de Boiadeiro de Maricá obteve liminar favorável no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ). Com essa decisão, os organizadores da festa estão impedidos de expor animais a maus tratos.

De acordo com a liminar, os organizadores estão proibidos de realizar qualquer atividade que envolva animais na "Festa do Peão Boiadeiro", em Maricá, marcada para os dias 19 a 22 de novembro, sob pena de multa de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) por cada ato de descumprimento, sem prejuízo nas sanções criminais cabíveis.

Leia a decisão na íntegra

"Trata-se de ação popular proposta por GERHARD SARDO DE VASCONCELLOS e outros em face do MUNICÍPIO DE MARICÁ, SECRETARIA ADJUNTA DE ANIMAIS DE MARICÁ, CIA DE RODEIO MARCO TIMÓTEO E ROBERTO GAVIÕES PRODUÇÕES e EVENTUAIS PROPRIETÁRIOS DO IMÓVEL endereçado na Avenida Wellington ferreira, quadra 355, Inoã, Maricá-RJ.

A presente demanda visa obstar evento de rodeio denominado "Festa do Peão Boiadeiro", o qual está marcado para os dias 19 a 22 de novembro de 2015, bem como de demais eventos deste gênero.

Em síntese, alega que a atividade de rodeio expõe os animais a crueldade e maus tratos a justificar a ação popular visando preservar o meio ambiente. Foi requerida antecipação dos efeitos da tutela.

É o que cabia relatar. Decido.

Incialmente, o cabimento da presente demanda encontra-se respaldado pelo artigo 5º, inciso LXXIII da CRFB/88, bem como Lei 4.717/65.

Estão presentes os requisitos de admissibilidade da demanda, observado o disposto no artigo 1º da Lei 4.717/65.

Passa-se ao exame do requerimento de antecipação dos efeitos da tutela.

A Constituição da República de 1988 conferiu à tutela ambiental status constitucional, sendo certo que todos os atos infraconstitucionais devem retirar seu fundamento de validade nos princípios fundamentais nela positivados.

O artigo 225, caput da Constituição da República Federativa do Brasil dispõe que "todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

" Por sua vez, o parágrafo primeiro do referido dispositivo constitucional revela uma extensa e rica carga normativa que, na hipótese em tela, ganha relevo o seu inciso VII, o qual prevê que incumbe ao Poder Público "proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade."

Assim, cuidou a carta Magna de proteger a fauna não apenas com o fim de conservar um meio ambiente ecologicamente equilibrado, mas impedindo qualquer forma de crueldade contra os animais, o que, em última análise, representa o respeito a vida em todas as formas concebidas.

Neste contexto, qualquer situação que acabe por revelar alguma forma de vulnerar a proteção à fauna configura uma violação ao fundamental direito ambiental.

Dadas estas premissas, no caso, a parte autora alega que a atividades praticadas nos eventos de rodeio acabam por constituir a prática de maus-tratos e crueldade contra os animais.

Existe extensa literatura médica veterinária condenando as rotinas e os apetrechos utilizados nas provas de rodeio e outras comuns nestes eventos por representarem atos de maus tratos contra os animais.

De todos, podemos citar o conhecido utensílio denominado "sédem", que é uma espécie de cinta que é amarrada na virilha do animal antes da sua entrada na arena. Têm-se ainda as pontiagudas esporas que, apesar de atualmente existir uma regulamentação quanto ao seu uso, não deixam de ser lesivas ao animal, até porque esta é sua função precípua.

Estes dois utensílios são reconhecidamente utilizados na atividade de rodeio. Contudo, além destes, uma série de outros procedimentos cruéis aventam-se como comuns nestes eventos, como a utilização de substâncias abrasivas (como pimenta e terebintina), choques elétricos e mecânicos, todos aplicados aos animais para "estimular" o seu comportamento bravio.

Ademais, baseado em conhecimentos empíricos, independente de quais utensílios e procedimentos que são utilizados na atividade de rodeio, o fato é que a finalidade única destes aparatos é estimular nos animais um comportamento que não lhe é inato. Tanto é que precisa de "estímulos". E esses "estímulos", por certo, passam por procedimentos tendentes a provocar irritação, estresse e, em última análise, desconforto suficiente a provocar o comportamento bravio esperado de um animal de rodeio.

Assim, apesar de reconhecer que a questão posta em julgamento é extremamente controvertida, já tendo sido alvo de intensas discussões que, lamentavelmente, não raras às vezes são distorcidas por força de pressões econômicas e políticas que o tema atrai, não se pode negar que é factível e possível que se tenha atos de crueldade contra os animais. Isto, por si só, é suficiente a conferir verossimilhança às alegações autorais a justificar a tutela de urgência em favor do meio ambiente. De outro lado, o argumento usual de que esta atividade constitui uma manifestação cultural, o qual também possui proteção constitucional, conforme artigo 215 do CRFB/88, não convence.

O Supremo Tribunal Federal, em diversas ocasiões, utilizando-se da técnica da ponderação para resolver conflitos específicos entre manifestações culturais e proteção ao meio ambiente, posicionou-se pela necessidade de se privilegiar o meio ambiente. Citem-se os seguintes julgados: ADI 3.776/RN, Relator Ministro Cezar Peluso; ADI nº 1.856/RJ, Relator Ministro Celso de Mello; ADI nº 2.514/SC, Relator Ministro Eros Grau; Recurso Extraordinário nº 153.531/SC, Relator Ministro Francisco Rezek.

Além disso, consigne-se que atos de maus tratos e crueldade contra os animais jamais poderão ser qualificados como uma inocente manifestação cultural. Não se pode conceber como cultural, e por tal passível de valorização, atitudes com alto grau de perversidade contra qualquer forma de vida.

Por fim, é importante frisar que os eventos de rodeio foram importados dos norte-americanos, não sendo uma prática nacional, mas sim, uma atividade introduzida no Brasil por meio de uma intensa e poderosa atuação empresarial-mercantil.

Diante disso, entendo estarem preenchidos os requisitos do fumus boni iures e periculum in mora a justificar a tutela de urgência requerida.

Por todo o exposto, com base no artigo 5º, §4º e artigo 7º, ambos da Lei 4.717/65 c/c artigo 273 do Código de Processo Civil, DEFIRO A ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS D TUTELA para os réus se abstenham de realizar qualquer atividade que envolva animais na "Festa do Peão Boiadeiro", em Maricá, marcada para os dias 19 a 22 de novembro, sob pena de multa de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) por cada ato de descumprimento, sem prejuízo nas sanções criminais cabíveis.

Oficie-se a 82ª Delegacia de Polícia Civil - Maricá, bem como o 22º Batalhão da Polícia Militar - Companhia de Maricá - a fim de que sejam tomadas todas as providências cabíveis no sentido de dar fiel cumprimento a presente decisão.

Por fim, emende-se a petição inicial para excluir do polo passivo a Secretaria Adjunta de Animais de Maricá, eis que não detém personalidade jurídica ou judiciária.

Citem-se e intimem-se com urgência, via OJA de plantão, se necessário. Maricá, 17/11/2015. Bruno Monteiro Ruliere - Juiz em Exercício"


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