22/02/2015 às 14h56min - Atualizada em 22/02/2015 às 14h56min

Fazenda Itaocaia: Fantasmas de escravos, uma criança morta e um imperador

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Cercada de lendas, que vivem na imaginação daqueles que conhecem as ruínas da senzala, da capela e do celeiro secular, a Fazenda Itaocaia, em Itaocaia Valley, em Itaipuaçu, guarda as poucas lembranças da história do modesto ciclo da cana-de-açúcar de Maricá, que utilizava mão-de-obra escrava negra. Na centenária fazenda, histórias de assombrações também rodeiam o imaginário, ou não, da população local. “Quem mora na região não trabalha aqui de jeito nenhum”, garante o atual caseiro da propriedade, Amaro Manuel Silva, 62 anos, alagoano, que veio para o Rio há 15 anos e trabalha há três na fazenda.

“Há três anos não acontece nada não, mas quando acontecer eu me mando”, revela o zelador que admite ter se acostumado com a vida na fazenda. “Muita gente diz que eu sou maluco, porque isso aqui é muito sinistro à noite, e para quem não está acostumado, é fogo mesmo. Mas como sou nordestino e estou acostumado a viver no mato não me incomodo”, disse.

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Ele relata que durante o tempo em que trabalha na fazenda já escutou e até presenciou ações sobrenaturais, embora jamais algo tenha acontecido diretamente a ele.

“O caseiro que trabalhava aqui antem de mim dizia que escutava correntes sendo arrastadas no salão (celeiro) onde os negros costumavam se reunir, que fica ao lado da casinha de caseiros, e saiu quase corrido. Ele não passava bem à noite, e ficava meio desorientado durante o dia. Hoje trabalha como porteiro em um prédio em Botafogo (Zona Sul do Rio de Janeiro)”, conta seu Amaro.

Ele revela ainda que já presenciou uma faxineira da casa perder o equilíbrio subitamente como se estivesse sido empurrada. “Ela tropeçou do nada e depois ficou parada, amarela, disse que alguém tinha empurrado ela, mas não tinha ninguém por perto. Eu saí de perto. Depois ela ficou mais um tempo trabalhando na casa e foi embora. A filha dela trabalhou mais um pouco e depois também saiu, as duas ficaram desorientadas”, lembra.

Para seu Amaro, as fazendas de escravos são assim mesmo, guardam muitos mistérios. “Em fazenda de escravos existe muita coisa. Meu avô trabalhava em uma e contava várias histórias de negros que eram mortos no tronco e enterrados na fazenda. Acho que dentro dessa fazenda deve ter muito cadáver”, observa. Daí as histórias de alma penada. Ele lembra de mais um caso inexplicável: “Os vizinhos também costumam ver pessoas na porteira à noite, e eu fiquei horas, por várias noites, vigiando de dentro da cabine que fica ao lado do portão porque poderia se tratar de algum curioso, mas não vi ninguém”, conta. “Dizem que essas coisas de visão não é para todo mundo. E eu acho que é mesmo”, acrescenta o caseiro.

Caixa guarda ossos de criança morta há 168 anos

Na capela da fazenda, que foi reconstituída, há uma caixa onde se encontram os ossos de uma criança de três anos morta em 1841 por uma escrava da fazenda. Ela havia se revoltado porque o patrão com quem matinha um caso ficou sabendo de seu envolvimento com o escravo reprodutor da senzala e resolveu açoitá-lo. A escrava então jogou a menina, filha do senhor, no tachão de melado e depois fugiu para o alto do morro de Itaocaia, onde foi encurralada e se jogou lá do alto para não ser capturada com vida. Na caixa está escrito: Aqui se encerrão (encerram) os ossos da inocente Maria Joanna, filha de João Machado Nunes e de sua mulher D. Catharina Luzia Machado, nasceu em 9 de fevereiro de 1838, e faleceu em 12 de julho de 1841".

Livro que conta a história da fazenda sumiu

Outro mistério que circunda a propriedade é o sumiço do livro que conta toda a história da fazenda. Ninguém sabe se foi roubado, ficou com algum antigo proprietário ou foi levado pela Prefeitura de Maricá, como a caixa que guarda os restos mortais de Maria Joanna, reavida pelos atuais proprietários da fazenda após ser levada para um museu.

Seu Amaro conta que chegou a ler algumas páginas do livro, mas depois não soube mais dele. “Era um livro grande com as páginas amareladas do tempo. Tive acesso quando uma faxineira que limpava o quarto do antigo proprietário pediu que eu arrastasse um móvel pesado e eu o achei. Depois disso não soube mais de seu paradeiro”, conta.

O filho do atual proprietário da fazenda, Cláudio Santos, disse que tomou conhecimento do livro momentos antes de ser contatado pela equipe de reportagem de A TRIBUNA. Seu pai comprou a propriedade há quatro anos e meio, mas segundo ele, o antigo proprietário, Renato Geraldo, só deixou a fazenda há aproximadamente sete meses.

“Após a venda, o Renato disse que não tinha para onde ir e acabou ficando na fazenda. Depois não queria mais deixá-la, mas como meu pai tinha toda a documentação da venda, ele teve que sair quase que obrigado e ficou contrariado”, explica.

Segundo ele, o antigo proprietário havia vendido artigos históricos importantes do casarão como a pia batismal, o altar e o sino da Igreja. “Tentei fazer um levantamento nos brechós da Estrada Caetano Monteiro, no Largo da Batalha, para onde as peças teriam sido vendidas, mas ninguém soube me informar nada. É muito importante do ponto de vista histórico reavê-las. Ver a igreja com os artigos originais seria maravilhoso”, ressalta.

À equipe de reportagem de A TRIBUNA, Renato se contradisse e confirmou ter vendido apenas o sino e a pia para um brechó na Estrada Velha de Itaipu há cinco ou seis anos. Quanto ao livro, ele afirmou não existir, depois sugeriu que se existe algum livro deveria estar na Biblioteca Municipal de Maricá, e por último revelou que chegou a ver um livro mas que não tinha nada escrito nele.

Contradições à parte, o fato é que ninguém sabe dizer onde está o livro. Cláudio afirma, no entanto, que não irá medir esforços para encontrá-lo e as demais peças. “A fazenda está aberta a visitação e não cobramos nada por isso, queremos que as crianças, principalmente, vejam e não apenas ouçam a história do local e do Brasil. Levei meus filhos de 10 e 14 anos na fazenda e eles se encantaram. Eu quero esse livro para poder lê-lo e ao menos reproduzi-lo. A partir de agora ninguém mais vai mexer na fazenda, vamos preservá-la. Já restauramos muita coisa, e pretendemos ainda restaurar a senzala, que virou um galinheiro”, afirma.

Ele reitera que o não-tombamento da fazenda permitiu sua degradação. “O antigo proprietário tornou a fazenda intombável e com apoio da prefeitura (antiga gestão), que permitiu a divisão da fazenda em 42 lotes de terra”, denuncia. “Soube inclusive de uma peça da mesa central que o próprio Charles Darwin teria deixado durante sua hospedagem, e me parece que isto é mencionado no livro dele, mas essa peça também sumiu”, rememora.

Ilustres visitantes

A centenária Fazenda já hospedou visitantes ilustres, como o naturalista inglês Charles Darwin. Em seu livro “A Viagem do Beagle”, Darwin registra sua passagem por Maricá e Niterói, sua hospedagem pela fazenda, por volta do ano de 1832, e chega a citar o modelo escravocrata da época que presenciou. A Fazenda também serviu como ninho de amor de D. Pedro I e a sua famosa amante, a Marquesa de Santos, sempre que o imperador viajava para Cabo Frio, e de cenário para novela Tocaia Grande, da extinta Rede Manchete.

Tombamento da Fazenda

Em 2013 foi assinado o decreto municipal de tombamento e desapropriação da Fazenda Itaocaia, que foi construída no século XVIII, no distrito de Itaipuaçu. No local, a prefeitura irá construir a sede do Memorial Charles Darwin em homenagem à Mata Atlântica. A fazenda serviu de hospedagem para o naturalista inglês em 1832, quando pesquisou a biodiversidade da região para incluir suas conclusões na Teoria sobre a Evolução das Espécies.  

As instalações da fazenda servirão, ainda, para sediar o Monumento Natural Municipal da Pedra de Itaocaia, sob a responsabilidade da prefeitura, e de equipamentos do parque e da Área de Proteção Ambiental (APA) de Maricá, que ficarão a cargo do estado.

Segundo a secretaria municipal de Ambiente, as atividades turísticas de ciclismo, caminhada e cavalgada serão incrementadas com “Caminho de Darwin” e a fazenda funcionará como polo de recepção destas atividades. Além destas iniciativas, tramita na Câmara Municipal um projeto de lei do vereador Helter Ferreira que altera o nome da Estrada da Barrinha, na localidade de Itaocaia Valley, para Estrada Charles Darwin.

A TRIBUNA


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