06/08/2011 às 18h36min - Atualizada em 06/08/2011 às 18h36min

Entrevista com Adilson Pereira: Futuro sócio-ambiental de Maricá e a influência do COMPERJ

O professor Adilson Pereira faz parte de grupos de discussão sobre o futuro sócio-ambiental do município e a influência do COMPERJ na região. Aproveitamos que a partir de agora o professor será um de nossos articulistas e batemos um papo com ele para esclarecermos algumas dúvidas relativas ao futuro de Maricá.

Lei Seca Maricá – Qual seu envolvimento nas causas sociais?
Adilson – Profissionalmente, sou funcionário público federal e professor de refino/química de petróleo, entre outras coisas. Na questão social, sou vice-presidente da Associação de Moradores de Araçatiba/AMAR, entidade que represento na Agenda 21, onde “estou” coordenador. Recentemente, eu e minha família, juntamente com alunos e profissionais da E.M. Marcus Vinícius, do Bairro da Amizade, colaboramos com o projeto “Limpeza na Praia”, do Instituto Aqualung, na Barra de Maricá. Sob a coordenação da orientadora Paula Guerra, fomos campeões de coleta de lixo na praia em todo o estado do RJ. Não sou daqueles que batem no peito dizendo ter tantos anos disso ou daquilo, e ficam por aí exibindo títulos sem, na verdade, nunca terem feito nada de prático para edificação do município. Encaro o exercício da cidadania como um dever, não como um status.

Lei Seca Maricá – Anteriormente, você fez algumas colocações sobre a escolha da localização do COMPERJ ter sido política e não técnica. Pode esclarecer isso?
Adilson – No início dos levantamentos técnicos e estudos de viabilidade, dois municípios estavam no centro das discussões: Campos e Itaguaí. Campos parecia ser a melhor opção, considerando a proximidade do campo produtor (Marlim) e a estrutura já existente na própria bacia, o que facilitaria a construção de dutos submarinos para escoamento da produção em direção à refinaria. Itaguaí tinha a favor sua infraestrutura portuária e a facilidade de acesso aos centros consumidores. A escolha de Itaboraí, na época, foi uma enorme surpresa a todos do meio. Mesmo depois de tudo confirmado e resolvido, ainda não dá para entender a localização do COMPERJ. Um empreendimento desta natureza entre a serra e o mar é, no mínimo, um deboche ao bom senso ambiental. Além disso, uma refinaria não tem a menor chance de operar com eficácia e segurança sem água, muita água. Sabemos que Itaboraí não conseguirá suprir sozinho tal demanda. Não há como negar que pressões políticas fazem parte da tomada de decisões em projetos como este que, aliás, vem sofrendo constantes atrasos. Dessa vez foi um abuso. As constantes mudanças no projeto começam a levantar dúvidas se realmente existia um projeto que justificasse a localização. Primeiro, a duplicação da capacidade de produção. Depois, a mudança de matéria-prima a ser utilizada. Simplesmente, passamos do óleo pesado ao gás natural. Isto significa mudança total na planta de refino, na logística, no escoamento, nas tubulações, na química, e, principalmente, no orçamento. Este projeto, se é que existe um, sairá muito mais caro que se imagina. Nós pagaremos a conta, não só financeira, como também as consequências. 

Lei Seca Maricá – Os impactos ambientais existirão?
Adilson – O maior poluidor e devastador da história da humanidade é a indústria do petróleo. Não há como negar que teremos resultados impactantes. Após tantas alterações, não há como usar indicadores. Perdeu-se o controle. Vale lembrar que os impactos podem ser tanto negativos, quanto positivos. O problema está em trabalhar bem a minimização dos impactos negativos e maximizar os impactos positivos. 
 
Lei Seca Maricá– Acha que essa minimização pode ser alcançada?
Adilson – Esta é uma preocupação latente. Em Maricá já existem grupos de discussão relacionados ao tema. A Agenda 21, por exemplo, tem-se mostrado de grande valia para alcançarmos resultados práticos no relacionamento “sociedade civil X poder público X empreendedores X meio-ambiente”. O lamentável é descobrir que, dentre os cenários propostos, nosso município se saiu muito mal nos resultados possíveis. Apesar das potencialidades, há muito a ser feito. A participação da sociedade é importantíssima, já que do atual governo pouquíssimo podemos esperar. Aliás, Maricá tem governo?

Lei Seca Maricá – Tais discussões têm tido algum tipo de repercussão junto à sociedade?
Adilson – Nas décadas finais do século passado nasceu um movimento do tipo “Salvem o Planeta”. O que na verdade está em jogo não é a sobrevivência do planeta. Hoje, temos absoluta certeza que, por mais severas as condições impostas à natureza, o planeta não sucumbirá... O homem sim! Tento orientar meus alunos e colaboradores a raciocinar, não em razão do fim do planeta, mas em direção a um posicionamento do tipo “Salvem a Humanidade”. Aqui no município, a poluição de nossas lagoas, o assoreamento, o desmatamento, as constantes queimadas, o crescimento desordenado, a devastação ambiental na Lagoa Brava, a construção CT’s futebolísticos, Monte das Oliveiras e estaleiros virtuais em áreas de proteção ambiental e permanente (APA e APP), entre outras coisas, são temas de debates pelas esquinas. Maricá cresce em progressão geométrica, basta ver o trânsito, mas se desenvolve em progressão matemática, quando muito. É muito pouco. Temos que nos adaptar a isso de forma racional e responsável para que nossos filhos e netos não sofram por nossos erros.

Lei Seca Maricá – Ao que vemos, as petrolíferas têm mostrado preocupação com as consequências dos impactos negativos, através de projetos de sociabilização, filantropia e apoio à pesquisa de novas fontes de energia. Seria uma maneira de mudar isso?
Adilson – Essa parte é um tanto polêmica. Não consigo ver nenhuma gigante do setor como “cordeiros bem intencionados”.

Lei Seca Maricá – Por que pensa assim?
Adilson – Temos uma legislação ambiental severa, resultando em escândalos e pesadas multas. As obras das refinarias Premium I e II e do Comperj vivem emperrando por problemas ambientais e suspeitas gravíssimas de sobrepreço, com o governo federal atropelando as decisões do TCU. A responsabilidade social não foi criada por empresários bem intencionados, e sim pela sociedade civil em resposta às constantes agressões sofridas, não só ambientais, como também pelo trabalhador e pela sociedade em geral. Ano retrasado, após um lucro estratosférico, o presidente da EXXON, Rex Tilerson, deixou claro que não está nem aí para a responsabilidade social ou o que quer que seja, e sentenciou: “Quando nos provarem que essa coisa de biocombustíveis dá lucro, entraremos no jogo sem pestanejar”. Ou seja, após um resultado positivo na casa de US$ 440 bilhões e a cotação do petróleo extremamente volátil, como pensar diferente? Na verdade, o jogo é puramente financeiro. Não vejo nada além disso. A capitalização da Petrobras a todo custo e as manobras contábeis da companhia mostraram a verdadeira “face do anjo”.  

Lei Seca Maricá – Como Maricá se enquadra nisso tudo?
Adilson – A natureza foi extremamente caridosa com nossa cidade. Entre as ortogonais e paralelas que cortam as águas oceânicas ligadas ao município, recebemos um presente resultante dos planos de avaliação do antigo Bloco BS-500. Declarou-se a comercialidade dos reservatórios Uruguá e Tambaú em dezembro de 2005 e, em seguida, Pirapitanga, Carapiá e Tambuatá tiveram sua declaração de comercialidade em dezembro de 2006. Com gás natural e óleo leve em nosso quintal e o COMPERJ se instalando nas vizinhanças, passamos a viver uma nova fase, evidentemente financeira.

Lei Seca Maricá – E o campo de Tupi?
Adilson – Este é um presente de Deus. Tupi, em quase sua totalidade, está em nosso quintal. Pena terem criado um verdadeiro carnaval sobre o tema. É bom salientar que este é um projeto de longo prazo e demanda aprimoramento da tecnologia existente. O CENPES está trabalhando incansavelmente nisso. A declaração comercial já ocorreu e Maricá passou e fazer parte do seleto mundo dos royalties. Não podemos esquecer o campo de Iara, também em nossas águas. Um pouco menor, mas igualmente gigante. Nos últimos dois anos e meio já recebemos algo em torno de R$ 80 milhões, somente em royalties. Nossa torcida é para que nossos atuais governantes passem a se comprometer verdadeiramente com o social, de maneira transparente, objetiva e profissional, deixando de lado as falácias e as promessas megalomaníacas. A coisa é tão grandiosa que atraímos até “mensaleiros”, mas ainda não vimos a aplicação do dinheiro. Existe outro problema, de caráter diplomático. O pré-sal é gigantesco e parte dele está fora das 200 milhas náuticas. Ou seja, fora das águas territoriais brasileiras. Para se defender disso o Brasil entrou, junto à ONU, com um pedido de ampliação das milhas náuticas de 200 para 350, e já recebeu um veto por parte da Comissão de Limites da Plataforma Continental. Enquanto aguardamos o resultado final, não podemos esquecer a biodiversidade marinha ainda nem sequer pesquisada, mas já avaliada com valor inestimável. Talvez, mais importante que Tupi, no momento, tenha sido a descoberta do campo de Júpiter, no mar de Saquarema. Este campo tem tanto gás, que pode levar nosso déficit de gás e a dependência da Bolívia a ter um fim. Mas, esse também é um projeto de longo prazo. Estima-se que Júpiter entre em produção após 2014. É esperar para ver. 

Lei Seca Maricá – O que esperar dos investimentos da Petrobras?
Adilson – O Plano de Negócios (PN) 2009-2013 era o plano do momento. Um plano ousado, considerando que os indicadores econômicos utilizados nos cenários propostos tendiam a ser conflitantes em determinados itens. Atropelava em US$ 62 bilhões a mais o PN anterior (2008-2012), sem comprometer a saúde financeira da empresa. Apostei que este ônus ficaria com os fornecedores, através da renegociação dos contratos, o que acabou acontecendo. O PN atual, recém saído do forno, seria bem mais robusto não fosse a tesourada governamental e os já bem conhecidos atrasos do PAC. Semana passada, nós coordenadores da Agenda 21, tivemos uma reunião no gabinete do prefeito de Tanguá e atual presidente do Conleste, Carlinhos Pereira. Uma reunião tensa. Os representantes da Comperj e do governo do estado passaram maus momentos com as cobranças, exacerbadas em certos momentos. A única certeza é que todos os municípios da área de abrangência, direta ou indireta, não estão nem um pouco satisfeitos com a Petrobras. Impactos visíveis já são sentidos em todos os campos de observação, mas as ações ainda se encontram em fase embrionária.

Lei Seca Maricá – E o emissário submarino?
Adilson – Emissário submarino, não... cocoduto! Este é um assunto extremamente delicado. Falarei sobre isso num momento mais propício. Existem muitos interesses envolvidos.

Lei Seca Maricá – Algo a acrescentar?
Adilson – Coloco-me à disposição para debater o assunto e disponibilizar material de estudos a quem se interessar. Teremos palestras sobre o assunto em algumas escolas e instituições. Melhor um povo bem informado que viver de “pão e circo”.

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